sexta-feira, 24 de agosto de 2007

O assalto (aos cofres públicos) não será televisionado

Por azar (ou sorte), numa mesma semana assisti a um programa (na Globonews) sobre o sistema de segurança "legado" dos jogos pan-americanos e ao filme "Duro de matar 4.0". Quantas semelhanças!

Por aqui, na nossa realidade, um ambiente hightech cheio de monitores. E policiais fardados em postura de atentos digitadores. Na tela do filme - a ficção - o mesmo ambiente. E as semelhanças não param por aí. O que se vai ver, em ambos os casos, é a inutilidade de tanta parafernália.

Enquanto o tecno-burocrata explicava hardware e software para a - ótima - repórter Sandra Passarinho, descortinavam-se, ao vivo, imagens de colisões, assaltos, atropelamentos. Melhor jornalismo, impossível.

Perguntas que não querem calar

Acontece que encaminharam uma jornalista não iniciante para fazer a matéria. Conseqüentemente, apesar de toda a torcida da mídia a favor do governo fluminense, vieram as perguntas devidas: - e o que é que a polícia faz com essas imagens? - como fica aquele caso ali de batida na ponte Rio-Niterói por uma parada irregular? Respondia, imbuído de técnica impecável, o cibernético e engravatado consultor: - agora temos os sistemas state of the art graças ao pan! - isto vai reforçar as estatísticas da segurança pública do estado do Rio de Janeiro! - o parâmetro "customizado" da atuação tecnológica colocada a reboque da atividade de segurança mudará os paradigmas da convivência urbana no século XXI!

Ou seja, muita bobagem. Um sistema milionário que não tem o devido back up nas ruas. Nossos oficiais vidrados nos vídeos, ao invés de estar na rua, bocejam à espera do fim de mais um turno refrigerado. No filme, o roteirista foi mais simplório: sugeriu que, para neutralizar todo aquele "big brother", bastaria tirar a tomada e isolar os valorosos combatentes armados (de teclas e plugs) até os dentes, em seu escuro bunker que fica em... lá como cá, ninguém sabe onde.

Quando a ficção - muito cara e muito bem paga a Hollywood - encontra a realidade muito pobre de recursos e de espírito da nossa ineficiente máquina estatal em um roteiro comum, talvez seja melhor mudar de canal. Que tal a Islândia?

Consolo (?)

A ineficácia, o desperdício de dinheiro, de tempo e até de vidas humanas não são privilégio nosso. Londres, que já conta com uma câmara de vídeo-vigilância para cada 14 habitantes, apesar do back up que permite que policiais de carne e osso abordem uma ocorrência cinco minutos após a sua visualização na central, não garantiu que se evitasse os ataques aos sistemas de transporte da cidade ou mesmo o assassinato, pela própria polícia, de um cidadão inocente, como aconteceu com o brasileiro Jean Charles de Menezes.

domingo, 19 de agosto de 2007

Não é brinquedo não!

Agosto, sempre referido como mês das bruxas, trouxe de presente mais um negócio da China. Mas dessa vez não era uma das cantilenas que a mídia internacional reverbera para ver se a gente - e ela própria - acredita, tais como "a locomotiva do progresso", "superpotência do século XXI", "salvação dos exportadores de commodities", entre outras pérolas. Tratava-se de uma das maiores operações de recall de que se tem notícia.

Recall (procuncia-se ricóu) - é um chamamento público feito por organizações e que se refere, na grande maioria das vezes - à constatação, antes ou depois de denúncia, de que algum defeito de fabricação em seus produtos pode levar risco não previsto a seus consumidores/usuários.

Vale para automóveis, carne congelada, medicamentos, refrigerante, computadores. Há casos recentes de carros que incendeiam, filés que matam, refrigerantes que adoecem, remédios que não curam e computadores que explodem. E, como sói fazer a globalização, afetam consumidores no mundo todo.

Uma coisa é uma coisa. Outra coisa é outra coisa

Uma coisa é um incidente fabril. Algo razoavelmente fácil de ocorrer e de detectar. Outra coisa é a prática da sabotagem. Algo bem mais raro e difícil de se descobrir antes que algum mal ocorra. Outríssima coisa é, no entanto, quando a hipocrisia de pessoas, empresas e mesmo de nações, atinge cidadãos indefesos, sem que tribunais ou quaisquer outros tipos de organismo possam protegê-los a tempo.

É de se perguntar até quando a boa fé da humanidade suportará casos fatais que surgem na esteira do "livre" comércio e sob a égide do "equacionamento de custos para manutenção de preços competitivos".

O filme intitulado "Disclosure", que teve o título (mal) vertido para "Assédio Sexual" no Brasil, trata, muito antes de assédio, de contratos de grandes empresas ocidentais com obscuros fabricantes terceirizados do último mundo (Vietnam, Camboja), justamente pelo fato de que esses países não "atrapalham" o empreendedorismo com "questiúnculas", tais como preocupação com fontes sustentáveis de matérias-primas, respeito à saúde do trabalhador, remuneração digna, direitos trabalhistas, ergonomia, ambiente fabril asséptico etc. etc. etc. E que pagam 28 centavos de dólar por hora de trabalho - um recorde mundial. Imbatível.

Se conhecêssemos as instalações e as criaturas escravizadas que manufaturam nossos impactantes tênis de jogging, tenho certeza, nunca mais daríamos um tostão às gigantes do material esportivo que torram bilhões negociando o patrocínio de competições internacionais.

Quem já visitou uma fábrica de conservas em uma das cidades-jóias do oriente ou pediu para ir ao banheiro em um restaurante daquelas bandas sabe do que se trata. A tragédia da gripe aviária descortinou um pouco desse lado oriental que pouco recomenda: gente, porcos e aves habitando o mesmo cômodo numa palafita que não põe defeito na (tão nossa) civilização do mangue, cantada por Chico Science.

Pois bem. E não é que o Brasil declarou que considera a China uma economia de mercado? Sim. E por que? Para, atendendo a essa chantagem, ter mais mercado para exportação.

Mas e o que importa?

Brinquedos pintados com chumbo e imãs que descolam aqui para colar em algum estômago ali ou em um intestino acolá. Quem vai saber? Ainda mais se foi comprado, sem nota, na loja por $1,99...

Já há alguns anos surgia a denúncia de que, por falta de legislação sanitária, os fabricantes de brinquedos chineses adquiriam plástico reciclado que incluía restos de material hospitalar...

Globalização assim, ninguém merece!

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Metrô na superfície... da mediocridade

Quando o Metrô do Rio de Janeiro passou a explorar ônibus especiais com o objetivo de aumentar sua rede de bairros atendidos, a população - justamente - aplaudiu a iniciativa.

Os ônibus, equipados com ar condicionado, sistema de som executando apenas música de concerto, paradas pré-estabelecidas e bilhetagem incluída no preço das viagens comuns, foram um avanço e um bom remendo à falta de investimentos crônica que assolou a companhia, tanto antes quanto depois de sua privatização. Os ônibus partiam a horários regulares e serviam a linhas diversas, cobrindo dois itinerários diferentes na zona sul da cidade.

Agora, como diz o populacho carioca, "virou bangú". Linhas foram fundidas - ah! a onipresente otimização de custos - e os ônibus ficam esperando na estação de origem (Siqueira Campos) até que entupam de passageiros. Os motoristas, velhos de guerra, já acostumados às práticas selvagens das empresas de ônibus do Rio - desde os vovôs "lotações" - esperam impassíveis e os fiscais, postados às portas dos veículos, monitoram o "enchimento da lingüiça" (no lingüajar de um deles) por rádio, comunicando ao próximo ônibus quando aparecer para a próxima "carga". Mais um capítulo para a interminável discussão sobre a (não) ação de agências reguladoras na supervisão dos serviços públicos prestados no país.

No caso do estado do Rio de Janeiro temos não só uma, mas duas agências! A Agência Reguladora de Energia e Saneamento do Estado do Rio de Janeiro (AGENERSA) e a Agência Reguladora dos Serviços Públicos de Transportes Aquaviários, Ferroviários e Metroviários e Rodovias do Estado do RJ (AGETRANSP). Você sabia?

terça-feira, 7 de agosto de 2007

O meio e a mensagem

E o marketing vira malketing...

Quando uma autoridade - ou seus assessores - acredita que a percepção que este ou aquele segmento da opinião pública tem a respeito do seu trabalho é uma questão de marketing, temos aí um mau exemplo do emprego da palavra técnica que não ganhou tradução entre nós, brasileiros: marketing.

Mas quando, para além da fala infeliz, veículos de comunicação reproduzem tais "pérolas" sem o devido reparo - que poderíamos esperar de uma mídia responsável em um país de semi-analfabetos -, ampliando a (errônea) compreensão de que marketing é algo "do mal", aí temos mais que mau jornalismo. Trata-se de deseducação. Burra e perigosa ao mesmo tempo. Isto porque os veículos de comunicação são a ponta mais bem acabada de toda e qualquer estratégia de marketing e desses próprios é que não se pode tolerar a mal-versação do termo.

Erro recorrente

Quando a cantora Maria Rita quis explicar o episódio constrangedor em que sua gravadora distribuiu i-Pods aos jornalistas presentes a lançamento fonográfico - recebendo-os todos de volta - atribuiu a idéia da ação ao departamento de marketing, "né, gente?".

Então, tá, Maria Rita. Fica combinado que o departamento de marketing é aquela salinha de onde só saem coisas-ruins, monstruosidades anti-artísticas, engodos e forçações de barra.

Enquanto não respeitarmos o marketing em tudo aquilo que significa o seu processo integral, ou seja, a concepção de produtos/serviços, sua viabilização econômico-financeira, sua distribuição e sua comunicação e limitarmos o seu entendimento à visível propaganda, e sobretudo àquela do tipo enganosa, como a atribuída aos políticos, não podemos aspirar à posição de país contemporâneo, com mídia livre e opinião pública digna de crédito.

(Comentário acerca da matéria publicada no jornal O Globo, em 05/08/2007, sob o título "Classe média é problema de marketing, diz Planalto" - capa e página 13).