domingo, 31 de agosto de 2008

A China urbana esqueceu a China profunda

A banda de rock Guns'n'Roses promete há mais
de uma década um incensado novo álbum
intitulado Chinese Democracy.
Por que será que esse disco não sai?
Maldição provocada pelo próprio batismo
- de algo que simplesmente não existe.

Foi o tempo em que a China inspirava reverência. Não a China política, que sempre viveu entre guerras, aberturas e fechamentos, mas a China cultural. Ou pelo menos a China tipo "exportação" que nos chegava. China de Confúcio, de meditação e de sabedoria milenar. China da seda, do papel e dos fogos de artifício. China do budismo, da muralha e do chá.

O que dizer, no entanto, dessa avassaladora China comercial? Progresso ou tragédia? Não sabemos, pois há censura. Na TV e na internet. Para nós de fora e para os próprios chineses. Gripe aviária, justiça corrupta e comércio de órgãos para transplante. Escravidão em família, filhos explorados e filhas abandonadas à morte. Ameaças às soberanias de Taiwan, do Tibet e do Nepal. Sentenças de morte às centenas, pirataria até de automóveis e arsenais atômicos prontos para entrar em ação.

Quem se beneficia dessa China sem leis ambientais, sem leis trabalhistas, sem leis previdenciárias? São as grandes cadeias de lojas, as griffes internacionais e os atravessadores marítimos.

Esses honoráveis global players buscam negócios da China achacando patrões que não medem conseqüências quando exploram sua própria gente com jornadas de 20 horas diárias de trabalho mal pago. E mandam seus conterrâneos italianos, belgas, canadenses ou brasileiros embora p'ra casa.

E nós - como parece que esse próprio texto faz - condenamos esses absurdos apesar de sermos os maiores beneficiários do grande esquema internacional das lojas a 1,99 e que tais.

Olhe a etiqueta do seu jeans, de sua cafeteira elétrica (mesmo que a marca tenha charme alemão ou francês). Preste atenção às hastes de seus óculos. Prescrute as dobras dos artigos comprados na Burberry londrina em sua última viagem. Repare o brinquedinho distribuído no aniversário. E encontre o indefectível Made in China.

Choramos nossas tão preciosas vagas de trabalho terceirizadas ao gigante chinês mas não hesitamos em comprar quinquilharia chinesa nos camelôs everywhere.

E não é que o Brasil reconheceu junto a OMC (Organização Mundial do Comércio) a China como uma economia de mercado?

Resta-nos rezar para que as nossas autoridades não resolvam fazer de nós uma economia de mercado igual à China... e no próximo capítulo dessa tragédia em mandarim importar gente. Sim, gente-commodity, paga por tonelada, mais ou menos como no tempo dos navios negreiros. Teremos "chinavios" cheios de gente disposta a trabalhar por um prato de comida e um karaokê no fim do ano - exatamente como acontece com os jovens que abandonam o campo em busca de trabalho nas cidades chinesas. Hordas de consumidores de rap macaqueando o lixo ocidental, de tatoos a crack, de i-Pods a Big Mac, de Starbucks a All Star.

Se puder, prefira o produto fabricado no Brasil. Pense nisso. E aja. Antes que seja tarde.

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